sábado, 22 de dezembro de 2012


Satélite


Em tudo depender de posições para existir,
Agir conforme destinações alheias,
Tudo isso em gradações complexas.
Talvez seja o orgulho que aflora nessas horas,
Ou a maneira de enxergar que propicie,
O fato é que a imaginação sempre transborda.

Existissem as coisas sem ordem, que seríamos?
Coisas em contramão, orquestra sem ritmo
As coisas justas em sua maneira de execução
Nos arredores, apenas o silêncio seria o guia
Mas alguém- Deus- insiste nos fatos naturais,
E benevolentemente nos dá livre arbítrio
Será ele loucamente sábio?
Talvez sim, certamente sim, ou vice-versa.


O Velho Enquanto Jovem


Malgrado o medo, não me excedo
Vou como aquele tiozinho de meias largas
Esperando que as imperfeições do chão não me derrubem.
Por isso os voos são curtos e os meios escassos
Enterrado em sensacionais pensamentos, o não viver.

Vez por outra encontro um jovem atípico, centrado, sentado
O banco da praça tem o seu cheiro, os livros escondem seu rosto.
Vive em um ascetismo de da dó, e que belos olhos ele tem!
Mas os velhos têm um legitimidade relativa,
Como explanarei ao jovem o direito à inconseqüência?
As palmadas não surtem efeito em bundas indiferentes,
E as partes do corpo são mais orgulhosas,
Decerto me faria visível, talvez criasse um encontro.
E que bonito seria!
Afogar de vida todo um hemisfério humano,
Vê-lo se deliciar com a seiva e depois o matar, bem mortamente.
Dessa imundície sairia um ser em puro estado de extinção.
Se somente os aptos sobrevivem, quem consumiria o restante?

É do estudo demográfico que sobreviverá o sonho,
E, porquanto promover contatos, saberá ruir o império.
Os que semeiam a desgraça da cautela,
Salutar não serão, muito menos injetarão
Nessa existência a disciplina!
É preciso ser promoter de si mesmo!
Organizar dedicadamente pautas,
Suar mediante trabalho agreste
E a fim de juntar os pólos,
Não existirá consolo maior do que o conhecer.
Conhece-te a si mesmo e verás o quanto,
Os causos nascerão do entanto e do conflito,
Do que temos e o que esperamos.

O “Apocalipse”



Quando a catástrofe chegar com suas vitelas pútridas,
E os rostos disformes enfeitarem o mundo com a feiúra,
Não haverá um só cristão, que, aterrorizado,
Se negue a persuadir os unicórnios a voltarem para a ponta do arco-íris.

Fase



O meu desejo é dente queiro,
Que de tão escondido e disforme,
Um dia se tornará fundamental.

Nuances



Hoje apenas me sinto triste
é como se tudo pesasse muito,
e a felicidade não abrandasse....

Muretas delimitam espaços sombrios,
e esse meu íntimo aterrissa em lugares inabitados.
no peito, apenas a velha chama, dura e certeira
nos gestos, apenas doses de encanto

Pra viver a gente abre clareiras e corta plantas,
Às vezes machucamos sem remorso pra desbravar-
-os objetos neutralizam os atos,
as intenções predizem catástrofes
Que quimera é a própria condição:
faz de mim o machado e o botânico.


Refluxo Estomacal



Parte de mim excede a razão
nenhuma coisa me proíbe
elevar socialmente o ego é possível,
galgando posições
mas essa ditadura é astuta,
pois não me completa, só estufa



Poema Ambulante


Aquelas barracas causam-me comoção
os vendedores me deixam entristecido
cada semblante com uma introspecção causticante
é como se fizessem uma prece silenciosa,
e carregassem dezenas de mim

Não sei o porquê desse afetamento,
temos as obrigações triviais
no mais, é a alma que sente,
embaraçando duros sinais

O fim é sempre partida,
despejando transeuntes
talvez o maior susto seja observar,
assemelhar-se ao objeto
saber que as mercadorias vão,
mas eles ficam

Pressa... Prece

No centro da cidade o que mais vejo é movimento,
pessoas, coisas e brisas se danam a passar
e o marasmo só encontra espelho nos olhos do cachorro da esquina.

Júnior



As reprimendas da minha mãe eram precisas,
prescrições elaboradas com sofisticação lógica
e com requintes de crueldade ela me mandava parar a brincadeira
era preciso voltar pra casa, tomar banho e dormir
os meus amigos também rezavam da mesma cartilha
as ordens eram mantidas por expressões sérias,
ela não imagina que foi naquele tempo que melhor vivi!

Todo adulto tem em si essa vontade:
exorcizar a dor de já ter sido
e nisso vão impondo pormenores
não sabem elas que as crianças,
em suas artimanhas, riem, apenas riem,
querendo agradecer por ter limites
o universo se expande em consequência
a imaginação vai impregnando a vida
porque só se é feliz quando a inconseqüência-
resvala docilmente em quem se ama
e o que deriva da vontade-
não machuca ou deforma brinquedos nem sentimentos

Ideal



Sensacional! Magnífico! Esplêndido!
Você me encanta! Que charme!
Nunca vi coisa igual! Que noite maravilhosa!
Nossa, quanto perdi por não te conhecer!
.............

Ouço essas coisas balbuciadas ao longe
ao certo elas nem são pronunciadas por alguém
é só aquele desejo perdido no beco da mente,
solto, sujo e desigual
e nisso eu tiro todo o meu conforto
pois se não há ninguém assim, eu poderei dormir em paz...
é como se o porta-jóias do quarto sempre tocasse a música,
e nem sempre aparecessem as bailarinas

Meias Verdades


Ando me repetindo muito
um não sei o quê me impele
as secas feições não mais admitem sossegos
dos mesmos brindes servidos,
dos barbarismos universais vou depurando máximas
e das reprises de choro vou decompondo fragilidades

Um outdoor sujo é mais criativo
ele está lá por imposição
já eu, sou livre para decalcar qualquer vulto,
mas dos chicletes sou apenas os textos pobres das figurinhas
é isso que me aflige,
encontrar a face do óbvio e nela padecer

Serviço Militar


Um toque de sirene anunciava
era preciso voltar, terminar a lição
aqueles uniformes me causavam arrepio...
alguns anos depois me vejo aqui,
tão agoniado a ponto de pedir que me aceitem-
porque aquele receio do primeiro dia de aula já não nutro

Tenho medo dessas coisas de colégio...
medo de voltar, de ver cadeiras atônitas
-elas também se abismam-
ao saber que aquele aluno franzino não mudou

Voa até que te derrubem




“Sonhar é como transportar um tronco
tem que ter mãos ágeis e estratégia afiada
é preciso esperar a extremidade assentar no solo
e deixar a outra acomodar-se.
depois é preciso recomeçar, ajoelhar-se,
torcer para que os movimentos sejam precisos,
e que os músculos não falhem
isso é física pura, jogo de detalhes
a fantasia seria assim tão áspera?”

Quando era criança me disseram que sonhar era fácil
por isso me deram livros, construí heróis
os dias passaram e cá estou sem fé
não foi culpa dos meus pais, nem minha
Ah, como queria saber de quem foi!

Calendários Íntimos




Hoje li mais de uma dezena de poemas tristes,
eles falavam da cegueira do amor e dos amantes.
Ah, dane-se! Sou o míope voluntário mais feliz desse mundo!



Manobras de Viajante II


Passeio perante os monumentos rasgando desígnios
do mar de cinzas em que rasteja a salina,
se calcificam algumas memórias
o tempo braveja sem razão o que mal rege,
colocando os dedos na fronte que melhor me escondo
no acordar para as pressões que pedem,
deixando o calibre pesado para os disparos
E de repente tudo volta a ser...
o ar fica rarefeito e o peito se enche de vazio
no que resta de tanta labuta.

Como é [horroroso] simplificar os contrastes
sacrificar as tonalidades vivas ao negrume do medo
saltar os olhos aos corcundismos e aos clarões
a satisfação de se ver vencido pelo carrasco
entregar devaneios aos que pedem
chegar ao topo sem aparente esforço

Trânsito entre estradas remotas é relativo
tanto quanto reconhecer as rotas
do mesmo caminho impactar-se sem o quê
pouca coisa é interessante
esses maremotos, convulsões,
fazem às vezes o papel de profetas

Anseio pela multidão assim como outra
[pessoa, lugar ou sensação reflexiva]
assim mesmo, desencontro
olhar distante rumo ao centro da praça
rumo ao labor desencontrado
aquelas caras guardando pessoas
e nem observo os contornos

Tenho medo dos lados, possível falta
não sei se na causa ou efeito
desvencilharão conceitos
ou murmúrios ardentes
de amiga só sei da natureza
que a continuidade não permite
arroubos de juventude,
pois entre arbustos não há paixão

Passível de faltas no trajeto
falham até as próprias pernas
em sinal de caridade
nessa louca imagem,
nessa ínfima ação

Tudo conhecido
o que entre pessoas é pacto,
para nuvens é marasmo
respaldado em sonho
paralisante...
pois o deslocar nem sempre transgride
as coisas feitas para atrair atenção
e o amável sabe onde achar
sem depender de espaço
as referências

Nem é preciso sair
para ascender em pulsão
encontrar vestígios de alguém
que está em largo baú
do acaso que flertou
com o desejo de ver as coisas a passar

Eu já contei os postes
Eu já cortei imaginariamente os objetos
as lâminas da janela açoitavam
eu tirava do porvir a infância
do carro em movimento
ia tirando as abas
do que me afastava das delícias do prazer.

A Falta



Escrever é chorar baixinho,
É encher de alma a matéria,
O pensar em cinzas, a pena revolta;
Saber de si apenas em alguns instantes.
Escrever é não deixar que o tempo faça fracassar,
O que de tão inalcançável te faz cócegas.
Poetizar é dizer coisas como bússola;
Lutar para que as luzes não se apaguem.

Registrar.
Perceber que há desígnios,
Soluções que não levam.
Cada vez como uma só,
Respirando o sopro como furação;
E nessa emoção, sublimar;
O expressivo dizer fazer sair;
Vociferar palavras que não soam bem;
E na arte de sentir, se comover com labaredas de destino.

Canteiro de Obras


Muitos apoios de madeira e poucas visões;
Entre máquinas construindo paisagens: o futuro.
Os que passam deslumbram o caos surdo e indefinido;
Jogam expectativas e contemplam apenas o que veem.
É um sujo massacre de visões, é um lamaceiro que desperta.

É o mictório de Duchamps, choque que atrai.
A feiúra tem um ar de vanguarda (- efeito da inércia-).
Diria que entre a estética e a razão há fagulhas de desejo.
O que importa é sublimar precariedades só por não resistir à falta,
Conceituando o que de realidade se apega.

Os tapumes tentam esconder projetos de gênio.
Enquanto que, indiferentes ao todo, há homens.
Eu passo feliz por não saber tudo; eles só assoviam.
Porém uma leve fumaça de cigarro queima meus pulmões;
Chego a pensar que sou um deles- na verdade, sou.
Tudo ali é uma dura rotina, humana, processual...
Lá há operários, mistérios e alicerces.

São coisas das quais não se duvidam- destino áspero-.
Muitos corações se fecham no concreto.
O sonho como começo lá termina,
E só quando se some é que de lá se desprende.
Eco de nós, coisas supérfluas, obra em si presa ao chão.

Ponto de Partida
(A Altiere Freitas)


Passa diante de mim a emoção
voo solto de luzes em despedida
imersa em chamas, a vontade
que será tempestade no sopro de formas,
a magnitude esperando pequenos
no limiar de gestos que não compreendo.

Patinei duas ou trezes vezes antes de cair
que o chão de tão limpo e orgulhoso
deixou as ranhuras entreabrirem portas, das quais,
nem pelo menos, nem talvez

Quando gotas despontam, é melhor parar,
cercear o coração de silêncio
deixando tudo a cargo do melhor momento.
do fluxo das energias, o melhor brinde
esperar com os ombros enrijecidos
calar com bocas apenas a superfície

De tudo que fica resta a saudade
daquilo que sobrou dos momentos
as sobras que não projetaram os semblantes
o medo que invade alguns resíduos de mim
eles sem pressa, eu sem peso, nós dois ameaçados
protegendo os calafrios, perdendo
vitorioso
o quando
é precipício, sem beleza ou medida...

A chave do que permanece é em si refletida
é notória quando há paz
é triste quando só cabe
cada legado segundo a milésima parte
tudo que é infinitesimal compondo humanidade
na arte de encontrar, no instinto de querer,
vou ameaçando ser feliz
reação de bicho acuado em botes cheios de garras
tentado
imprimindo
comprimido
nesses espaços, com pessoas
não é de supor que fosse na face
esse código sentimental colérico
querendo apenas agradecer.

Manobras de viajante



Painéis de fibras, corpos selvagens...
Quem sabe onde os nervos levam quando há vida?
Quem dirá o que se vive quando tudo não se sabe?
Diante de pandora, só ordens, ordens gritadas por capatazes.
Uma dimensão abstrata longínqua me manda parar.
Pergunto e paro, mesmo sem saber direito o que sucede.
Não abdico de nada, porque tudo já tomaram;

Gosto de você se despedaçando em minha paisagem;
Só assim permito-me rir dos macetes das maçanetas.
Os mundos são tão aqui, nesse mesmo!
Consigo um Rinoceronte negro diante de uma platéia.
É como se os meus olhos tivessem espessos de fuligem,
E você fosse mais uma aberração entre tantas outras.
Mas no fundo sei que está lá, sempre soube...
Não sei o que me faz ter algumas certezas, algumas...
Há sentimentos que são repetições seculares, não sei se;
Não sei como sobrevive-se ao fardo de estar junto.

Descobertas, faço muitas, porém, com poucos suores.
A preguiça é um consolo enquanto o nada está perto.
E milhares de vidas esvaem-se quando não te toco;
E, embora a cegueira me debilite, salto pelos poros.
Quero algo, quero circunstritamente figuras de mulher.
Quem diria ao camelo que tudo é água em seu estômago?
Logo ele, tão desacostumado, áspero por constituição!

Só o acaso vai fazer de nós, viajantes, pendores do encontro.
Porque quem vai acumula massa vital, perde e ganha gorduras.
É como um caixeiro que encontrou pouso no pântano;
Como cabana presa entre penhascos da Escandinávia.
Meu querer apenas existe, resiste nesse silêncio...
O alvo, a mira e o tudo mais existem apenas quando penso doçuras.

A mente de um condenado dirige sua atenção para coisas simples;
É nesses termos que espero o acaso, preciso de formas...
Se uma delas se destacar e me preencher, será eleita.
Serei um paizinho de meia idade que se deixa humanizar pela filha;
Logo ela, a mais nova, a mais espirituosa, a mais desengonçada...
Ela que tanto cativa, será rebatizada com o nome de Maria Felicidade.

Aquelas Veredas.


Abominável sensação de abandono, soco preciso.
Seguir pelos caminhos dos arbustos açoitados,
Temendo que as pernas aguentem ir além.
Ser ter direção aparente e sem guia,
Pedir a si mesmo permissão pra desistir.
Assim é não ter mais paragem, saber-se cativo.
Dever tudo ao homem, à terra e ao passado.

Uma fazenda, dois casebres, tudo isto em dimensão.
O mundo é um deslocar-se de vista, prateleira de misérias.
E tudo vai lembrando o sumiço de humanidade.
Um atroz caçador a procura da caça errante;
Dura paisagem ensimesmada por lástimas.
Quem passa sempre frustra os sedentos de cidade.
Curvado ao meu patrão e não aos iguais, assim altivo.
Eu sou alma feroz, sujeito obstinado, endurecido.
Vaso remendado não carece de boa estima, apenas serve.
Assim é que me vejo, assim é que sou
Não espero dos acontecimentos, Napoleões.
Só me encanto com os gritos dos valentes.

Jagunço ensimesmado pelo tempo só sente e marca, duro ponteiro.
Sua sina é servir, é sossegar entre coisas bonitas...

Aviso


Ouve Tibúrcio! Vês a tinta que ainda espanta multidões?
Não imagina o quanto tive medo de sofrer o trágico destino;
Aquele pintado com as penas de Dante.
Sortilégio é passar em tudo como a foice de carrasco.
Ouve Tibúrcio, não há mais corações!
Nem o silêncio há de incomodar a nós, cadavéricos,
Porque sumimos da imaginação alheia como Henrique, o infante.

Solta o teu riso angustiante naquelas portas cinzas!
Ontem mesmo ouvi gemidos de dor, puros lamentos.
Eles são tão virgens para os infortúnios que mal sabem rezar!
Ataca sem piedade, Tibúrcio, arranca suas córneas já sem brilho!
Eles já não sabem mais amar, por isso é que perecem.
Na aliança, restam apenas alguns retirantes.
Aproveita enquanto se pode ainda ter filho,
Aumenta o golpe, suga os pequenos heroísmos!
Arranca essas flores que crescem!

Já que o tempo passa sorrateiro, aproveita, Tibúrcio, o ano inteiro!
Os impele a implorar pela leveza, pelo conhecimento sublime.
Faz com que a arte seja tão horrenda que só enfeitice, distorcendo...
Não permita mantras, resistências individuais, ataque o grupo!
Mine as conversas paralelas, essas de esquina.
Retire das abelhas o mel, dos meninos as meninas.
Faz que o mediano estabeleça as normas, enaltecendo medíocres.
Eles só saberão os efeitos, não o que os oprime.
Por isso é que te quero perto, Tibúrcio! Se limite a fazer...

Se não aprenderem,
Os deixe ameaçados, ruminando mistérios.
Muitos ainda não estão preparados para revelações.
O destino vai se encarregar do resto.
O essencial é que saibam da passagem...
O brilho que eles perdem, ganharão outrora.
Adianta os seus dias, seja o cão das horas.

Mas não ajas assim tão descaradamente, saiba se fazer discreto.
Espreita, levanta a guarda e tolera, como bom professor.
Deixa que eles façam o sentido, e com os peitos descobertos,
Saiam de si.
É assim que sois, grande morte, ideal e medrosa.
Sabendo que é pouca, aproveita a sorte.
Altiva e atraente voa sobre nossas cabeças.
Passeia apenas como mau agouro, sempre assim de tão belo porte.
Sabe de sua fragilidade, pois, ao simples sinal, elas que desapareçam!
O que tem de mal existir coisa de tão raro enigma?
Sabes que suas asas nunca chegarão as de Ícaro!
Por causa disso a divindade a usa para despertar, puxar o seus a prumo,
Porque ela não passa de uma mancha preta no chão do infinito.
Ela é, senão, rumo!

O Apito do Algodão Doce


Alguns objetos deixam marcas na nossa memória afetiva, delimitando, muitas vezes, traços de personalidade. Assim é que recordo de saudosos acontecimentos da minha infância e da minha semi-adolescência... Porém, poucas coisas são tão expressivas quanto o apito de algodão doce, utensílio colorido e leve que os “vendedores de nuvens” usam para atrair a clientela. Lembro-me do som estridente que conclamava os meninotes da rua para a compra do néctar de sacarose; não havia evento mais democrático do que esse (até as crianças presas pelas garras das mães conseguiam anistia).
Não havia hora certa para ouvirmos aquele chamado celestial, a imprevisibilidade dava tom solene ao ato. Éramos pegos de surpresa por aquele sujeito simples, com boné de político e roupa rasgada guiando a sua inseparável bicicleta encantada por aqueles balões de aniversário e algodões. Queríamos voar também, conhecer todos os bairros a bordo da liberdade. Pra mim, aquele ser era um encantador de crianças, tal qual um mágico ou um palhaço. No meu caso, eu me apaixonei pelo apito tão loucamente a ponto de querer possuir um.
Queria aquela minha gaita de plástico, almejava tocar todas as notas, soprar todos os seus espaços e alcançar, quem sabe, a condição de ilusionista. Treinava mentalmente aquele acorde executado magistralmente pelo encantador: fuiuií, fuiiiúi, fuiuiuiú... Não sei muito bem quando nem onde obtive o meu tão sonhado apito, mas creio que o recebi como presente por bom comportamento. O fato é que me lembro dele com a estima de um parente. Achava-o e perdia-o com uma tremenda facilidade. Quando o encontrava sujo e abandonado em algum espaço de parede ou no quarto da bagunça, era uma alegria descomunal. Lavava o estimado objeto como quem lava um bebê. Depois de recondicionado, executava incessantemente durante horas toda a sua potência sonora (foram incontáveis as reprimendas que sofri por parte da minha mãe e da minha avó!). Aquele apito não era apenas instrumento, era um verdadeiro amigo! Eu tentei me igualar àquele vendedor, quis rivalizar e acabei sendo mais criança, adquirindo diversão concentrada nos períodos vespertinos.
Eu continuei a gostar de algodão doce, também mantive os antigos laços com o vendedor, admirando-o na sua passagem pela rua. Isso me fez gostar mais ainda daquele som e daquela marcha acompanhada pelas crianças que não tinham dinheiro pra comprar e pediam ao nobre um pouco do seu cobiçado produto. A mágica desse cortejo pode ter sido vista por muitos, até em bairros dos centros urbanos, mas nas cidades do interior esse rito acontece com uma maior dramaticidade, pois o dinheiro ganha quase que um aspecto secundário. Como nos era prazeroso saber que podíamos trocar garrafas de bebidas alcoólicas pelo tão sonhado sumo! Alguns de vocês podem não imaginar o alvoroço que essa condição causava, era uma verdadeira mobilização infantil! Queríamos as garrafas e ponto! Mas queríamos as mais valiosas: as brancas e limpas que abrigavam as cachaças. As garrafas de cerveja tinham algum valor, mas nossos olhinhos brilhavam ao ver aquela garrafa abandonada nos muros ou nos terrenos baldios. Quando encontrávamos algumas em condição de uso, lavávamos prontamente, dando vida aos nossos interesses e impulsos.
Aquele era um tempo em que o doce do algodão se misturava com a terra que caía das garrafas. Não sabíamos a importância daquilo, o motor da nossa ação não era a ecologia, não era a reciclagem. Na busca pelas garrafas a gente não fazia distinção, a nossa mendicância estava contemplada porque era digna, porque não era reflexo da negligência alheia. Também não julgávamos as pessoas pelos seus costumes ou vícios etílicos; os bêbados e vadios eram os nossos principais fornecedores.
Tudo se consumava no momento da troca, impulso sublime que recompensava todos os nossos sacrifícios. Na busca por garrafas, encontramos vários locais de brincadeiras, transgredimos regras ao invadir propriedades alheias. Tudo era equivalente à dimensão lúdica que não implica em conveniências ou códigos de etiqueta. Na imprecisão da chegada do vendedor, nós, crianças livres, construíamos o terreno da livre iniciativa dos felizes. O vendedor e o apito eram apenas elementos constitutivos; o que importava mesmo era a alegria etérea que de desmanchava na boca como aqueles doces algodões.

Entre desabafos e Distâncias...


Sedimento a minha tristeza em comparações;
Parâmetros, sucesso, pessoas...
Tudo isto me atormenta em dias frios;
Ao longe ouço tocar uma bossa leve que chega sorrateira;
Aguçando os sentidos, remetendo às intempéries.
Me bastaria não pensar;
Anular total ou significativamente o íntimo querer;
Mas o sacrifício é maior do que o próprio ofício.

Das soluções que tenho, poucas me sossegam;
Pois os pensamentos não condizem com alegrias
Mas se arrependimento é uma conquista, estaca fincada;
Errar como consequência é ato vivo.

Não sei se o acalento chega com um bom conhaque, com a sábia velhice;
Compulsivamente creio que em forma humana a tal da felicidade;
Escondida em trajes sumários (caso mulher) daria uma de difícil;
Em todo caso, viver é condição sine qua non.

Encontros Consonantais



A felicidade é ortográfica...
Vai exigindo pontos, pausas e circunstâncias;
Já o bem é toda a gramática, ao mesmo tempo preciso e corredio;
Em tudo inspira tempos e modos verbais
(sempre é tão difícil achar as corretas conjugações!)
Com tantas interpretações, nunca foi tão fácil exceder...

Se soubesse exprimir toda a morfologia, roubando enigmas, mergulharia...
Com tanta certeza saberia eu mudar o destino das classificações ranzinzas;
Decerto nunca mais me faria acompanhar.
A quem falaria das novas possibilidades linguísticas?

Quisera eu saber a letra do tempo que ficou inscrita nas tábuas babilônicas!
Só assim me afogaria em um vazio sufocante do aprendizado (emergiria para contar sobre a escrita cuneiforme)
E como alguém que respira é que apresentaria um manual.
Falaria sobre a arte do bom sentimento, da loucura máxima da entrega...
E por ser um tema tão espinhoso é que insistiria na energia que se perde ao negar;
As paixões e os medos ficariam sob as suas rédeas como pupilos,
- o edifício gigante da alma sempre arruma um jeito de zombar-
Tema doce e malicioso forjador de pulsões: o amor.
Que outro sentimento passaria por esses dois pontos?

Origem das Espécies
                                       

Cada origem é uma explosão de possibilidades;
Nela surgem coisas e pessoas, a natureza em si mesma;
Os ciclos tomam uma dimensão controladora;
E os seres humanos dão mostra de que podem amar;
Adão e Eva, Lívia e Júlio? Tanto faz.

Evoluem assim as imperfeições.
Tomamos feições bárbaras e comumente abdicamos do sublime;
Máquinas, tecnologia e propriedades frias gelam as relações;
E nos transformamos em espectadores,
Passando a viver em permanente estado de sítio.

Retoma-se temporariamente o carinho, o abraço e o afeto;
O horizonte aponta para a civilidade;
Ledo engano, explodem as bombas existenciais de Hiroshima;
Por decreto fechamos as portas, janelas;
Trancados e sós, ficamos com nossas escrivaninhas;
Na rua, a vida deixando-se desperdiçar por entre os becos.

Desaprendemos a andar de mãos dadas;
Tudo é côncavo e convexo, multicêntrico;
Mas as fraquezas continuam unânimes.

Apesar disso tudo, e bem entendido;
Existe o nosso mundo, nossos afagos secretos e abundantes;
Eles remetem para dias mais floridos e promissores;
Unem nossas almas, sedimentam novas pessoas.

Tudo isso me faz pensar do lugar que surgimos;
Pensar que somos diferentes dos outros;
Não melhores, mas verdadeiros;
E se isso não bastar, visto que somos matéria;
Criaremos outra dimensão.

Afinal, não viemos mesmo da terra, talvez caímos de espaçonave;
Somos através das bondades dirigidas um para o outro;
E caso não parecer prudente nesses tempos;
Criaremos uma nova origem, um novo estado de natureza.

O Sinaleiro dos Medos


Na prisão consciente das almas vazias eu me via.
Era frio, e o tempo sombrio demais para recomeços.
Não queria cansar os olhos de quem me amava;
Pois quando bem se esconde a dor, a alma só espinha.

Se um guia nos aparece por acaso, rio inconsciente.
Tudo quanto é vão e importante se mistura em desejo,
E o que sinto é apenas resíduo de medo.
Aquela mesma escada em que fiquei ainda existe pra ti,
Nós acabamos...
Como dizer que quero algo que me contamina de gritos,
Onde gestos simples me acorrem com metáforas universais?
Queria te dizer tanto, mas me faltou espírito!
Preciso de intermediários pra que o meu carinho te alcance...
Por isso fiz esse poema, por isso não te quis quando me querias!

O Que Entendi dos Poetas


Eco das dores centenárias e dos sentidos escorregadios.
Musos da imperfeita centelha que não cessa.
Escorregar de mãos entre o indefinível;
Que ao ofício de Bilac nunca esmorecem os brios.
Decalque da vida são os poetas que muito amaram...

Há quem acredite em refluxo de sentimentos,
Mero espelho.
Os nossos olhos obsequiosos sempre precisam do perdão alheio.
(Ratificar o que de bonito disseram é reviver aureamente a falta!)

A mente de um poeta é igual à de um menino que tem preguiça,
Que de pensar em coisas sólidas demais para a fantasia, recria infâncias.
A razão das coisas é simples por ser sua,
- a paz nunca vem de baixo.
Natureza ranzinza, instinto benevolente.
A lógica humana universal degolada entre vidas particulares.
O poeta vai decompondo decadências pelo seu encanto.

Por isso, faço uma humilde defesa: não taxem os poetas!
Eles não são tão irrisórios ou incompreensíveis quanto apontam os filólogos.
-os livros aprisionam os gritos vertidos em suscetibilidades –
Se muitas vezes se fazem tão difíceis, meu caro, é porque são altruístas demais!
Não querem contaminar legiões sedentas de sentidos;
Vão com a altivez própria dos vanguardistas, carregando a sua própria solidão

A Quem Nada se Deve



Cadê a minha memória?
Será que foi embora contigo, meu benzinho?
Bebi-te matutinamente com o meu café,
E se muito li, foi porque estendestes os teus braços.
Se tudo correu bem foi porque deixamos a névoa dissipar segredos;
Eu te admirei só enquanto não te amei demais.

Aquele pássaro não cantava pra mim...
(ah, quando saíste aquela relva nunca mais serviu de abrigo!)
A solidão me fez, fui me tornando um lógico objeto.
- a minha mesa é tão grande para pequenas refeições-
O afeto não mais a ronda com suas franjas de espíritos.
E tenho de me contentar com vazios...
O que há de mais frio do que reviver sinceros momentos?

Minha amada caminhou na direção da sua humanidade,
Foi com poucos remorsos, alguns da gente, o resto dela.
Nada a constrangia mais do que fingir.
Sufocou-se com a sua escolha, e eu nada exigi.
Viajou num dia em que não li o horóscopo nem vi o tempo.
Penso que ela saiu numa manhã, pois queria me dizer algo
- a beleza do dia contrastava com minha tristeza, mas não me agredia-
Não compreendi o porquê, mas ela fez questão de deixar lembranças.
O lenço dela ainda está no cabide, o seu perfume ainda exala presença.
Sinto que a sua marca nunca acabará enquanto houver a mim...

Nada se deve quando tudo se deu, e embora se pense e se vá,
Tudo permanece o mesmo na fadiga e no sublime.
Ah, meu ex-eterno amor, não digas nada!
Ficarás aqui como um quadro para um homem que de tão jovem,
Morreu ardendo num sentimento tão senil quanto o próprio tempo.

Meandros de amor, Roteiros de Encontros e Despedidas

(Para Juliana Cintia)



Voa para buscar o tempo adormecido,
Tentando entregar o teu lugar a mim.
Depois da chuva eu sempre te encontro;
E mesmo ao permanecer pálido e tonto,
Sei reconhecer que a saudade, entristecida,
Pode ceder seu espaço para anunciar.

Solte os teus cabelos, suja o teu semblante!
Não espere que eu te acaricie com o agora,
Pois há muitos montes que obscurecem...
Eu quero que o viver seja um enlace,
Mesmo sabendo que a vida rasgue laços,
Sei que há amores que só crescem.

Vive junto à solidão como os dias sem vento,
Parando a cada ciclo vencido pelo cansaço.
No parapeito dos sentimentos saiba-se viva,
Sorvendo os rumores de saudade.
Que na beleza dos dias tu consigas morder a mesma maçã,
Amadurecendo como os cachos de uva...
Dê-me o alento, me puxe pelo braço!
Quem sabe também não acompanhe teu caminho.
Sei também compreender, transfigurar a criança sã.
Só não me deixa padecer sob as minhas amarguras.

Se me tiveres assim como a fórmula ao Alquimista,
Terás não só a mim, mas os meus anseios.
Serei muito mais que companheiro de dança,
Nesse louco desígnio que tanto acomete os amantes.
Me dá a proteção do zelo substantivo.
Concede também as preocupações dos destinos alheios,
Sabendo me contaminar com alegorias de esperança.

O que pedir a ti, se já tanto fazes?
Logo tu, que descobres os meus segredos a cada alvorada,
Propiciando sublimes ciências.
Não quero que apodreças junto!
Quero que vivas muito mais para compensar...
Sei que já pensastes muito ao meu lado, mas é hora de ir.
Sou quase aleijado para coisas que poderia até alcançar.
E tu ainda és vigorosa, rica de sentidos e essências.
És o bálsamo que anda a perfumar este defunto!