terça-feira, 19 de março de 2013


A Mulher Que Me Olhou nos Olhos


Eu estava em pé esperando o meu eterno ônibus e comecei a perceber que a uns três metros de mim, uma mulher me olhava. Como todo tímido, olhei para trás e quis acreditar que não era pra mim, pura teimosia, insistentemente com o seu olhar ela me estudava. Fiquei acanhado a principio, mas logo depois comecei a olhá-la timidamente entre as brechas de uma ou outra pessoa.
Nesse jogo de olhares eu senti algo de diferente, achei que ela sabia algo a mais de mim, pois via nos seus olhos a candura e fúria. Por um instante achei estar em outro lugar, num cosmo totalmente estranho e frio. Não sei porque ela começou a me lamber com os olhos, sentia as suas pupilas dilatarem com as minhas, e tudo isto porque ela me olhou nos olhos. Sim, ela penetrou em alguma parte desconhecida, algo mais sombrio e misterioso que o inconsciente. Durante aqueles minutos, ou séculos, ela insistentemente me olhava, numa direção horizontal me mostrava as futuras proezas e desventuras.
Atordoado, lembro que ela ainda me olhava, duvidava de mim, me chamava de homem do nada, estranho, ao mesmo tempo ela dizia que me amava e ria. Tive sede, estava exausto...meus lábios secaram, mas depois minha boca encheu-se de uma água cristalina. Lembro que ela ainda me olhava, do topo de um monte me chamava pra pescar, e de repente todo um lago secava, me pediu pra tocar em suas mãos, mas quando a toquei, sua mão esfarelou-se e me pediu pra beijá-la. Nesse instante, choveram pétalas e sua boca foi ficando cada vez mais distante. Vi um retrato de Vênus, e lembro que eu não consegui ver seus olhos, ela me pediu pra deixá-la ir embora, mas com as fibras do meu olhar eu a segurava, pedi que me levasse junto, ela negou, e do fundo de um abismo eu chorava. Ela estava desaparecendo... Passados quinze minutos dessa sensação que acabo de descrever, nossos olhares se desencontraram, e ela, apressada, corria pra pegar o seu ônibus, foi embora e nem me disse adeus. Dois minutos depois eu ia pra casa, resmungando e pensando sobre a inutilidade da literatura e dos sentidos que tanto nos fazem sonhar e sofrer.

Visões pós-modernas
Quem tropeça, cai
Quem inspira-se, compõe
Quem ama constrói ou destrói
Quem odeia, também
Existe o bem e o mal
E o céu é azul

Quis transcender, virei pós -moderno;
Tudo tornou-se complexo e amorfo
As grandes certezas acabaram,
Mas eu ainda sinto fome,
E a minha existência tem nome.

As eternas borboletas
Há muito tempo que venho tentando....
Representar o caos, a dor, a fome e as coisas injustas
Querendo captar o horror pungente
Onde a ciência e a insanidade cruzam-se...
Fui então retornando à realidade
Que engoliu-me

Por um gesto
Por um toque de um camarada
Acordei então e conformei-me
Daí comecei a desenhar borboletas
E viver mais triste ainda.

Reunião

— Em total respeito à prezada mesa, comissão interministerial para assuntos estratégicos, peço a palavra para esclarecimentos.
— Palavra dada (responde a mesa)
— Não sou capaz de analisar convenientemente os dados apresentados, pois não possuo qualificações para julgar as limitações técnicas do projeto.
— O quê? (indaga outro integrante da mesa)
— Isso que vocês ouviram, eu não estudei o suficiente os dados, e não tenho formação suficiente para analisar o projeto em questão, não sou bom analista, nem sequer tenho capacidade na minha profissão de economista para preparar um simples relatório.
— Tempo esgotado! (diz o presidente da comissão)
Conversa entre a mesa, pausa e depois de um período de protestos:
— Seu anarquista, arruaceiro de meia figa!
— Comunista safado!
— Incompetente!
— Canalha, imoral, não volte mais aqui!
— Está suspensa a reunião, podem retirar-se senhores —(diz o presidente).